NO VASTO PÉLAGO
CENTRO DE ARTES PONTE DE SOR
CENTRO DE ARTES PONTE DE SOR
Contemplamos No vasto pélago, a linha ténue da superfície das águas que nos suspende a respiração. Entre o céu e o mar, permanece a sensação fugaz e transitória da aparência da natureza. Descobre-se a luz através da sombra, a bonança no bater das ondas, a tempestade na imensidão vasta dos céus e do oceano.
Na grandeza, sentimo-nos arrebatados pela vastidão. Segundo Kant (1998, p. 150), «[a] natureza é, portanto, sublime naquele entre os seus fenómenos cuja intuição comporta a ideia da sua infinitude.»
Após a tempestade, vivenciamos a longínqua impressão trágica da natureza. O espectador sente como um passado distante, percepcionando num espírito contemplativo. Através do poema «Tempestade», entoa Byron (2010, p. 25 [Tradução de Fernando Guimarães]):
Nesta série de pinturas de Rodrigo Vilhena, fruímos uma reflexão sobre o discurso do sublime contemporâneo. A visão trágica da paisagem transforma-se no ser e dilui-se nela mesma, cujo detalhe se revela no todo, impregnando-a com o sopro da vida.
Todavia, estas obras transparecem a imaterialidade das nuvens e as oscilações do mar. O pintor realiza imagens impermanentes como se fossem fragmentos de uma narrativa sobre as variações da experiência estética das marinhas. Através da observação da natureza, Rodrigo Vilhena reinterpreta a paisagem como um estado meditativo.
Torna-se mais que um processo contemplativo, num vislumbre da consciência do ser. O ser e a natureza fundem-se num só. Sente-se o todo, a união, uma união indissolúvel com o grande Todo. Segundo Romain Rolland, este processo de revelação dado pela contemplação ou no estado meditativo chama-se «sentimento oceânico».
No vasto pélago, o sentimento deambula na imensidão dos céus, lançando, assim, o observador à consciência de infinitude. Este aprecia a magnitude do poder da natureza, entre um esquema cromático das nuvens em tonalidades de brancos, castanhos, ocres, amarelos aos azuis, ou numa impressão do mar entre azuis e brancos. Assim, o artista apresenta estas imagens através de uma dualidade infinita entre a vastidão dos céus e o bater das ondas aparelhadas em espuma esbranquiçada.
Rodrigo Vilhena recria o movimento dinâmico na obra pictórica. Através do todo, transmite a transitoriedade dos fenómenos dada pela repetição selectiva das marinhas, na medida em que modifica subtilmente e gradualmente o carácter exposto em cada uma delas. Desvela a luz, transmuta em movimentos das atmosferas cada vez mais claras. Debruça-se nos detalhes dos céus e das nuvens, que nos ofusca à vista, por exibir um aparatoso deslumbramento da natureza. Em contraponto, numa ínfima impressão, quase num desvanecer dos mares, revela em poucas pinceladas, um apontamento de azuis e brancos.
Através do olhar, percorremos os céus, que nos proporcionam um estado de impermanência. Lembra-nos, de certo modo, a tradição da pintura romântica das marinhas. Todavia, rompe com esse mesmo passado, navegando por céus desconhecidos, cria um caminho impactante sobre existência do ser na sequência serial da pintura. Numa linha ténue assimétrica, muda o estilo e a técnica, cuja passagem subtil reflecte a experiência do espírito do ser humano, em duas vozes. Assim, o pintor esboça a dualidade entre a natureza e o ser, o céu e o mar. Com esta dicotomia, expressa o estado de impermanência do ser.
Leva, por conseguinte, o artista sucessivamente em procurar a essência da vida e do ser humano. Recorda-nos através da cultura clássica, por ser uma metáfora da jornada existencial do ser humano contemporâneo. Assim, exprime Virgílio, na Eneida:
Todos se inundam de inimiga chuva
pelas fendas que abriam nos costados todos são dominados e se afundam.No vasto pélago, a paisagem é a morte e o recomeço.
A fluidez e a infinitude.
A mutabilidade.
O desconhecido.
Absoluto.
O ser capta ínfimo momento intemporal, cuja consciência se transcende para além do limiar do bater das ondas.
Joana Consiglieri
Lisboa, Novembro, 2020