"MARE CLAUSUM"
MUSEU DA LUZ
MUSEU DA LUZ
Contemplamos Mare Clausum. Numa narrativa de imagens da natureza, avista-se a linha ténue da superfície da terra em tons verdes e castanhos. A transformação pictórica captada pelo movimento cria ritmos de alternância das horas do dia e da passagem do tempo na paisagem alentejana. O tempo modifica a terra, a cor vibra em vários tons, o céu cintila os dias e as noites. O observador encontra-se a navegar pelas águas do Alqueva, vislumbrando a sensação fugaz e transitória da terra. Descobre a luz através da sombra, a ínfima terra na vasta imensidão e das ilhas, o desassossego do mare clausum alentejano. Uma história do passado, um presente a ser construído.
Através de Mare Clausum, o espectador deambula pelo mar fechado, apreciando a imensidão dos céus e sua infinitude, o poder da natureza, o seu silêncio. Entre pinceladas soltas cromáticas dos céus, sentimos as diversas tonalidades quentes e frias, dos vermelhos aos azuis, ou uma impressão leve da água a bater na terra, a brisa do poente que nos presenteia como pequenos cordeiros crespos a saltar nas ondas. Rodrigo Vilhena apresenta nesta série de imagens um discurso dual que desvela a paisagem na vastidão dos céus e da ínfima terra, onde nasce no movimento do corpo pela paisagem vista de ilhas rodeadas de água, ou de vistas costeadas por terra.
A pintura emana para vários sentidos, convergindo e divergindo em múltiplos conceitos, bem como em diferentes ângulos de visão. Seleciona o eixo das coordenadas e as suas relações referenciais, onde determina no lugar as diretrizes visuais espaciais, reconhecendo, deste modo, certos conteúdos do movimento do corpo no espaço, o que leva ao empirismo e às suas dificuldades. Ao contemplar as pinturas, percecionamos a dicotomia entre a terra e a água, o céu e a água, o perto e o longe, o alto e o baixo, o presente e o passado, a imagem e o conceito – em mare clausum.
Rodrigo Vilhena alude-nos à Era dos Descobrimentos, particularmente, ao Tratado das Alcáçovas (1479) e do Tratado de Tordesilhas (1494) assinado entre Portugal e Castela (Espanha), cujo significado provém da exclusividade da navegação marítima dos mesmos. Todavia, estes foram contestados internacionalmente, reclamando a liberdade de navegação e circulação comercial, reivindicando a mudança, o fim de uma era.
Assim, o espectador é projetado para a memória do lugar do pintor, navegando por águas do Alqueva, caminhando por terras alentejanas, encontra na narrativa das imagens o ponto de interseção do tempo, que resulta da vivência do corpo na paisagem, entre o passado e o presente.
O olhar obtém mais ou menos das coisas segundo a maneira pela qual ele as interroga, pela qual ele desliza ou se apoia nelas. Aprender a ver as cores é adquirir um certo estilo de visão, um novo uso do corpo próprio, é enriquecer e reorganizar o esquema corporal (Merleau-Ponty, M, 1999, p. 212).
Desta experiência fenomenológica, converge-se a paisagem interior com a paisagem exterior, um reflexo da memória. Vislumbramos as cores que se manifestam no lugar e se desdobram em luz e em matéria.
Joana Consiglieri