HORIZONTE
MUSEU DO MAR REI D. CARLOS I - CASCAIS
MUSEU DO MAR REI D. CARLOS I - CASCAIS
Horizonte (do verbo grego horidzo, “limitar”, “limiar”, “delimitar”) é uma linha aparente mutável, em que observamos o céu a tocar o mar, cujo lugar visível desaparece no invisível, realidade que determina o horizonte, aquilo que se vê. Ao defini-lo, impõem-se um limite, mas, o seu próprio princípio é a ausência dele, embora o possibilite e inclua-o nessa concepção.
Ao expressar a sua imprecisão, quanto mais navegamos para ele, abrem-se novas oportunidades. O horizonte é o limite, mas toda a sua existência se revela em contrários e oposições. Alude-se a um homem no estado limiar, onde o ser humano vive mediante a sua finitude entre a linha instável da proximidade e a da distância. Esta noção revela-se como a nossa essência, o que somos realmente e não pudemos escapar. Através do horizonte, expandem-se as possibilidades do ser humano em se realizar num jogo de espelhos infinito (mise-en-abîme). Assim, projetamo-nos na linha de horizonte na qual nada sabemos, que se situa para além do limite. Todavia, consiste no horizonte de toda a procura. Um horizonte tão distante e insondável é, misteriosamente, sempre o limite, ou melhor, o que não podemos ver, é o que precede.
Ao visualizar o horizonte, o que se vê e não se vê, conhece e não conhece, é e não é, nem imaginário nem falso, reparamos numa linha que não cessa de se transformar na ambiguidade. O limite muda, mas não a existência do horizonte. É impossível escrever sobre o “limite”, sem, ao mesmo tempo, pensarmos no “não-limite”. O limite é o oposto do não-limite, ao ser proposto como limite, se retira como não-limite, a partir do qual ele se pode mostrar como é. A nossa condição humana reside no mistério do ser na finitude no horizonte.
Na “História da Filosofia”, Nicola Abbgnano (1970) argumenta que o conceito de “horizonte” surgiu através de Edmund Husserl (1859-1938), em “A Ideia da Fenomenologia” (1913), através da noção da experiência “transcendental”. Husserl adverte-nos para não nos deixarmos enganar pelas falsas crenças, hábitos enraizados e generalizações da ciência. Devemos “limpar a mente” e entregarmo-nos ao mundo da experiência, à natureza. Esta descrição do horizonte dada por uma acção, traz para a fenomenologia um novo método apresentado na intenção alcançada num determinado acto. Analisando a sua génese no contexto do sujeito na história da sua vida, irá para além daquilo que se pensa (noema) e do sentido (sinn) do acto. No fundo, é um conjunto de probabilidades de significados que estão presentes na experiência, ou seja, é essa vivência que permite ao ser compreender o mundo a partir da sua perspectiva particular.
Martin Heidegger (1889-1976) foi mais longe em se referir que toda a interpretação, todo o saber, se exerce dentro do horizonte do ser. Põe o horizonte na tradição filosófica da questão do ser, desvelando, assim, não apenas as limitações da tradição do pensamento, mas também, as suas zonas de sombra, os seus fundamentos escondidos. O questionamento da tradição consiste em compreender o horizonte no qual se desenvolveu no pensamento primordial filosófico. Os pré-socráticos não encontravam o ser do ente num princípio nem numa essência transcendente, mas no próprio ente donde provém e retorna todas as coisas, a natureza.
Mediante as concepções filosóficas sobre “a manutenção do ente no ser” de Anaximandro, “a reunião do ente no ser” de Heraclito ou “ser-ente” de Parménides, entendemos que o ser e o ente não se encontravam separados um do outro, como iremos presenciar a partir de Platão. Através de Heidegger, encaminha-nos para um pensamento mais autêntico do ser ou o “ser-aí“ (dasein). Porventura, o discurso filosófico tradicional não testemunha apenas a história ocidental (passado), mas a própria época contemporânea (presente). Pretende construir uma visão ontológica que permita compreender e interrogar o ser, alcançando uma determinação plena de sentido (sinn) do ser.
“O que é o ser?” Quem pergunta é o próprio ser. Todavia, quem se interroga é um ente, visto que o ser é sempre o ser de um ente, segundo Heidegger: “Este ente que nós somos constantemente e que tem a possibilidade de perguntar, é o “ser-aí” (dasein)”, ou melhor, “o “ser-aí” é sempre a sua possibilidade”. O “ser-aí” insere-se numa tradição que o precede, que prefigura as possibilidades de existência, não se pode libertar delas, dado que constituem o seu próprio ser. Apenas tem de se apropriar ou não, daquilo que ele já é, por isso, ele pode escolher entre conquistar-se ou perder-se. A viabilidade de uma apropriação autêntica da existência depende de um horizonte que possibilite a compreensão da totalidade do “ser-aí”.
Esta noção surge na compreensão ontológica da própria existência. A existência é a transcendência, o fim para o homem que transcende, é o mundo (estar-no-mundo), desta forma, erige o próprio mundo o projecto das suas possíveis acções. A própria existência deve realizar-se num projeto temporal que permita ao “ser-aí” compreender a sua finitude como um ente que se entrega unicamente a si mesmo, para o ser. Só pode apropriar-se de si e da sua história através do ente cujo porvir determina o seu passado: “torna-te o que és” (vir ao encontro de si). O ser humano é o “ser-entre” e o seu percurso dá-se no discurso da travessia. Ele é um “ser-em-travessia” como “entre-ser” na liminaridade do horizonte.
Rodrigo Vilhena
Lisboa, Abril de 2024